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Anir Dalmora: A verdadeira heroína de Anita Garibaldi

A entrevistada desta edição, é a senhora Anir Dalmora que viveu em Anita Garibaldi entre os anos de 1969 a 1980. Neste período dedicou-se de corpo e alma nas tarefas educacionais, tendo sido importante no desenvolvimento intelectual de muitos e muitos anitenses. Natural de Arroio do Meio, no Rio Grande do Sul, a educadora se emociona ao lembrar de sua passagem pela cidade dos lagos.

 

Correio dos Lagos - Lembra de sua chegada em Anita Garibaldi?

Anir Dalmora - Primeiramente eu gostaria de agradecer e dizer que é um prazer muito grande estar conversando com o meu povo de Anita Garibaldi. Eu adoro essa cidade e as pessoas que vivem aqui.

Bem, eu nasci na cidade de Arroio do Meio, no Rio Grande do Sul. Vim morar em Abdon Batista, onde casei-me, com 24 anos de idade. Não demorou muito, vim com meu marido de Abdon Batista para Anita Garibaldi. Um ano depois, meu marido faleceu, tragicamente.

Então fiquei aqui até o ano de 1981, quando acabei me transferindo para a cidade de Lages. No período em que estive aqui, me dediquei totalmente a educação e realizei alguns sonhos na minha vida, porque acredito que a educação é realmente o alicerce para o conhecimento, as virtudes do ser humano e o futuro da humanidade.

Correio dos Lagos - Anita Garibaldi marcou muito em sua vida?

Anir Dalmora - Marcou totalmente. Principalmente, alguns trabalhos que eu fiz na escola, com os alunos de segundo grau. Na verdade, o primeiro capítulo da história de Anita Garibaldi foi escrito pelos alunos do segundo grau. Nós fizemos um pequeno livro com o título: a história, tradições e cultura de Anita Garibaldi. Durante esse período também fizemos alguns jures simulados, que marcaram muito o segundo grau na cidade.

Correio dos Lagos ? Mas a atividade de professor é gratificante?

Anir Dalmora - Ser professor para quem leva como vocação é bastante gratificante. Mas para quem leva o magistério somente como profissão, se torna um desastre, e isto eu não recomendo, de maneira nenhuma. A carreira de professor como vocação é uma profissão que não existe outra igual, em recompensa, gratidão e desenvolvimento humano.

Correio dos Lagos - Fale sobre a biblioteca João Bento da Silva.

Anir Dalmora - Infelizmente naquela época nós não tínhamos uma biblioteca. No entanto, em certa oportunidade resolvemos fundar um lugar para a leitura. Alguns professores, juntamente comigo, percorremos todas as casas do Município, recolhendo donativos. Fizemos uma festa e um desfile de moda, tudo para arrecadar recursos para comprar os primeiros livros. Em parceria com o Prefeito Izidoro Marin demos o nome ao local de João Bento da Silva, pois ele foi o primeiro professor da serra catarinense. Este foi um dos trabalhos que marcou muito todo o corpo docente da escola.

Correio dos Lagos - Como avalia a cidade nos dias atuais em relação àquela época?

Anir Dalmora - A cidade mudou muito. Está bonita, aconchegante, mais alegre e hoje, o estilo de vida das pessoas é bem mais fácil em relação a nossa época. Nós lutávamos com muita dificuldade. Hoje nós percebemos que as pessoas estão mais desenvolvidas, mais cultas, mais abertas ao conhecimento. Porém uma coisa é muito importante, aquelas pessoas eram pessoas muito honestas, muito dignas e isto me marcou muito porque eu fui acolhida em Anita Garibaldi de braços abertos, embora naquela época a cidade fosse muito menor do que agora.

Correio dos Lagos ? A gente sabe de casos e mais casos de estudantes que percorriam a pé uma distância bastante considerável para chegar até a escola. Pode nos falar sobre isso?

Anir Dalmora - Isso era bastante natural naquela época. Vir para a escola era um prazer para eles, mesmo diante de certas dificuldades tais como a chuva, o frio e a própria distância. Por incrível que pareça não havia tanta falta na aula. Os alunos estavam lá de pé firme todos os dias.

Correio dos Lagos - E as facilidades de estudar nos dias atuais?

Anir Dalmora - Eu analiso assim, a internet está ai e é uma ferramenta fantástica, fabulosa. Porém ela tem dois lados. Tanto pode construir como destruir, matar o conhecimento. As nossas crianças precisam ter uma escala de crescimento e o que me preocupa muito hoje como educadora é que existem muitas crianças que estão pulando fases da vida. Elas estão deixando a infância, a adolescência para a vida adulta. Psicologicamente isso pode fazer falta para eles no futuro.

Correio dos Lagos - Você considera a leitura extremamente importante na vida das pessoas?

Anir Dalmora - A leitura é a base fundamental do conhecimento, educação, instrução e até honestidade para as pessoas.

Correio dos Lagos - O que você costumava cobrar em sala de aula de seus alunos?

Anir Dalmora - Eu tinha o apelido que muitos alunos devem lembrar. Eu era chamada de professora dos porquês. Eu explicava alguma coisa daquela regra e dizia o porque daquilo, o porque que era escrito com J ou com G, com Z ou com S, enfim eu costuma exigir muito dos meus alunos. E eu posso dizer que realmente vivia essa vida, tanto é que se um aluno precisasse ficar depois da aula ou durante o recreio, ou ir até a minha casa para fazer uma tarefa, não tinha hora e não tinha dia, nós nos reuníamos para passar a matéria a limpo e não deixar matéria atrasada. Talvez, quem venha a ler isso, possa me achar antiquadra, mas o conhecimento no meu ponto de vista até hoje é a alavanca que movimenta o mundo.

Correio dos Lagos ? Tem algum fato pitoresco ocorrido em sala de aula?

Anir Dalmora - Tenho muitos, muitos, muitos....Até me lembro neste momento de um fato bem interessante. Naquela época fazíamos muita interpretação de texto, porque a minha tese de pós-graduação, chamava-se: \"A vida é um constante interpretar de texto\". Em certa oportunidade eu estava explicando para os alunos de segundo grau sobre Mariana, uma poesia da cidade de Mariana. Expliquei toda a poesia, detalhamos, tudo. Quando chegamos no final da explanação, eu disse para eles, então meus alunos, vocês entenderam bem o que é Mariana, quem é ela? Foi quando um aluno aqui do centro da cidade, não vou citar o nome porque ele vai ficar muito bravo comigo, levantou e disse, professora eu sei. Então quem é Mariana? Ele respondeu firme e forte, professora, Mariana com certeza é a mulher do Mariano. A turma toda entrou em gargalhadas e eu tive que acompanhar. Foi muito cômico e engraçado.

Correio dos Lagos ? Mas, fora às trapalhadas, eles eram estudiosos?

Anir Dalmora - Sim. Muito estudiosos, mesmo. Eles faziam poesias, júri simulado. Eu me lembro que o Doutor João Carlos Cursio, que foi promotor aqui na época, fez parte de um júri simulado e destacou a aula da escola comercial como uma experiência das mais bonitas que já tinha visto no Estado. Os alunos faziam brincadeiras, temos milhares de fatos inusitados ocorridos em sala de aula, porém eles eram muito estudiosos.

Correio dos Lagos ? Qual a comparação que faz em relação à educação dos dias atuais com a educação daquela época?

Anir Dalmora - É difícil de analisar porque hoje a situação é totalmente diferente. Na época, precisávamos de conhecimento intrínseco para transmitir a nós mesmos e as outras pessoas. Hoje o conhecimento é mais informativo e mais externo, eu não saberia avaliar até porque eu estaria sendo injusta, fazendo uma analise comparativa. Os dois lados têm os seus pontos positivos e negativos. Eu acredito que hoje a nossa criança precisa se voltar mais para os valores intrínsecos do seu eu, do seu conhecimento, da sua consciência e dos seus valores morais para encontrar a felicidade na sua plenitude.

Correio dos Lagos - Fale sobre a academia literária.

Anir Dalmora - Foi uma idéia que me surgiu e propus ao segundo grau. Eles acharam a idéia boa. O que era feito? Nós numa temporada por exemplo, trabalhávamos com poesia, onde cada aluno era responsável por um texto, uma poesia ou um conto. Esses trabalhos eram corrigidos, analisados. Alguns decoravam, outros apenas liam. Depois de preparado, nós reuníamos a comunidade no salão da escola e os trabalhos eram apresentados. Essa atividade era muito importante porque aquelas pessoas que tinham dificuldade de falar em público, que sofriam com a inibição ou tinham dificuldade com a dicção, causava um impacto muito grande, fazendo com que ganhassem alto confiança e se sentissem valorizados. Essa atividade ajudava muito no desenvolvimento intelectual e profissional dos alunos. Numa outra fase da academia, nós estudávamos dentro da própria história. Era reunido conhecimento geral, literatura e português. Por exemplo, fizemos uma vez, um juri literário, onde o texto era para condenar ou absolver Tiradentes. A turma foi dividida em duas equipes, uma a favor de Tiradentes, outra contra. Nessa academia, conseguimos reunir o Juiz, o Promotor e o Prefeito, ambos de jurados. O trabalho rendeu uma polemica muito grande, porque quase eles mataram novamente o Tiradentes. Foi um fato cômico, que não tinha nada a ver com verdade ou mentira, tinha a ver com os argumentos de cada um.

Correio dos Lagos - O que representa para a senhora emprestar o nome a uma escola?

Anir Dalmora - Ter o nome em uma escola, como acontece em duas escolas de ensino infantil aqui em Anita Garibaldi, é uma graça tão grande, que eu não acho palavras para descrever tamanha felicidade. Eu fico me perguntando, me questionando, mas não consigo encontrar uma palavra que me diga, o tamanho da felicidade que este Município querido me proporcionou. Essa alegria é tão grande, tão intensa que é o orgulho de toda a minha família. Se você for à faculdade de Santa Maria no Rio Grande do Sul, ou a Lindóia do Sul, onde moram meus familiares, poderão observar que todos eles possuem fotografias da escola infantil de Anita Garibaldi, que é uma honra muito grande, não somente para mim, mas para toda a minha família. Agradeço profundamente essa homenagem, esse reconhecimento.

Correio dos Lagos ? Considera-se uma cidadã Anitense?

Anir Dalmora - Me sinto totalmente e podem ter certeza, eu sou uma pessoa que deixou Anita Garibaldi apenas fisicamente, pois penso neste lugar todos os dias.

Correio dos Lagos ? Por que deixou Anita Garibaldi no início da década de 80?

Anir Dalmora - No ano de 1980, houve um concurso público no Estado e neste concurso eu passei em primeiro lugar. Como aqui não havia 40 horas para professora de português, eu me vi obrigada a deixar Anita Garibaldi, indo trabalhar no centro educacional Vidal Ramos Júnior, em Lages.

Correio dos Lagos ? Qual o recado que deixa para as crianças e jovens de hoje?

Anir Dalmora - O mundo precisa de muito amor. Jovem, criança, pais, invistam no conhecimento, na cultura, no amor e na família, pois fazendo isso vocês estarão certamente construindo um mundo que nós tanto sonhamos em ter para nós mesmos e as futuras gerações. Que as crianças e os jovens vivam intensamente esse amor, essa cultura e a honestidade.

Correio dos Lagos - Mensagem final a todos os anitenses.

Anir Dalmora - Anita Garibaldi é uma mãe para mim. Adoro essa cidade, eu vivo muito a lembrança desse lugar. Eu quero dizer a todos os Anitenses, que guardo com carinho tudo o que recebi nesta terra querida Jamais esquecerei a maneira como fui acolhida nesta cidade, e tudo o que eu fiz aqui, se eu pudesse eu faria mil vezes mais. Eu agradeço profundamente a todos pelo amor, pelo carinho, por toda a dedicação que este povo me proporcionou ao longo destes anos maravilhosos e inesquecíveis. Eu espero ainda fazer alguma coisa em agradecimento pelo povo dessa cidade. Que DEUS lhes page por tudo o que fizeram por mim.

 

 

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